À medida que o número de apreciadores de vinho aumenta, os estabelecimentos precisam ajustar suas ofertas para atender a um público cada vez mais exigente
Se você é um amante de vinho, sabe como é emocionante entrar em um restaurante e se deparar com uma carta da bebida repleta de opções fora do óbvio. A expectativa de encontrar aquela taça perfeita pode ser um dos maiores prazeres de uma refeição fora de casa ou mudar totalmente a experiência em um restaurante.
No entanto, ao se deparar com uma infinidade de rótulos, é natural se perguntar: como todas essas opções foram parar ali?
Historicamente, a elaboração de uma carta de vinhos no Brasil não era uma prioridade para a maioria dos restaurantes. Muitas vezes, os menus eram formados com base em uma seleção limitada de rótulos, frequentemente escolhidos por apelo comercial e disponibilidade.
No entanto, à medida que o mercado de vinhos evoluiu, a oferta se diversificou e a bebida ganhou um espaço mais relevante no setor gastronômico, tornando-se, muitas vezes, um fator decisivo para o consumidor escolher ou não o estabelecimento.
Segundo dados da Wine Intelligence Brazil do ano passado, a base de consumidores regulares da bebida mais do que dobrou em pouco mais de 10 anos no Brasil: o salto foi de R$ 20 milhões em 2012 para R$ 42,3 milhões em 2023.
Em outro tópico, a pesquisa apontou que, em 2022, 82% de bebedores de vinho afirmaram consumir a bebida em restaurantes. Quando o assunto é bar, este número foi de 61%, mostrando um aumento em relação a 2021 de 7%.
O relatório trouxe ainda outro dado interessante: 70% dos consumidores brasileiros declararam gostar de provar novos estilos de vinhos regularmente (em modo descoberta). Esta proporção é maior do que outros mercados, como Colômbia, Estados Unidos e China, por exemplo.
“Os dados de pesquisa apontam o aumento da população que consome vinho com regularidade. Isso levou a expansão do mercados de vinho no geral”, explica Rodrigo Lanari, fundador da consultoria Winext. “Hoje, há muito mais opções disponíveis em mercados, lojas especializadas, pontos de venda, e consequentemente restaurantes.”
“Classificamos os consumidores em três tipos: aquele que está aberto a novidades, estilos e regiões; outro que compra vinho com base no preço; e aquele consumidor que já sabe o que gosta”, continua Lanari. “O Brasil chama a atenção por essa grande parcela de consumidores abertos. Como temos muitos novos consumidores, este modo descoberta tem um número expressivo”
Diante de um consumidor cada vez mais curioso e ativo no mundo dos vinhos, os restaurantes passaram a olhar com mais carinho para essa elaboração de cartas. O papel do sommelier ganhou ainda mais importância ao longo dos anos e o investimento nesta formação cresceu de forma expressiva.
Segundo o consultor Deco Rossi, da Winet, o incumbido pela elaboração da carta de vinhos varia de acordo com o restaurante, existem consultorias que ajudam neste processo, mas se o local tem um bom e experiente sommelier, ele deve ser o responsável por montar essa seleção e comandar toda operação, que passa desde conhecimento técnico e escolha de rótulos até a logística de pedidos e treinamento de equipe, por exemplo.
“É preciso fazer uma análise de mercado, estar presente em várias degustações, conhecer diversas importadoras e produtores, ter conhecimento das uvas, de harmonizações e estar sempre atualizado do que tem de novidade. Ter um profissional é um grande investimento para qualquer estabelecimento”, enfatiza Deco, que também presta este serviço.
Para Rossi, o ponto principal de partida da construção de qualquer carta de vinhos deve ser a análise do restaurante de forma geral: entender o perfil do consumidor daquele local; se é um lugar em que o vinho é ou não o protagonista; se é um local em que as pessoas frequentam mais no almoço ou no jantar; o quanto este público gasta em média em uma experiência por lá, e, claro, o estilo de comida que é servido, além do conceito do restaurante.
Esse e outros fatores têm impacto direto no estilo da carta: se vai ser maior ou menor; os níveis das variações de preços; os países e estilos que vão ter predominância; entre outros.
“É essencial entender o restaurante e o cliente. A carta de vinhos é parte integrante do restaurante como um todo. Colocar vinhos muito caros que não têm a ver com a proposta do restaurante é um dos grandes erros. Colocar só vinhos de conceito, que não tem a ver com a comida, é outro. A escolha da carta vai depender principalmente do público e do conceito do local”, enfatiza Marcelo da Fonseca, Head de Sommelier do premiado Evvai, restaurante 2 estrelas Michelin comandado pelo chef Luiz Filipe Souza.
O restaurante atende cerca de 50 pessoas por dia: 80% delas consomem vinho e mais de 50% optam pela harmonização oferecida pelo sommelier. O local, que fusiona influências brasileiras e italianas, tem uma carta com 150 rótulos de diferentes países. A Itália, é claro, ganha destaque, mas Fonseca faz questão de enfatizar a importância das escolhas não serem óbvias na construção de suas sugestões.
“Eu gosto de fazer uma carta mais completa. O Evvai tem um bom repertório de bebidas italianas de regiões mais conhecidas e menos conhecidas -, que é o mais legal de fazer. Um erro muito cometido é que muitos lugares acabam se deixando levar pelo comercial e deixam de trazer coisas diferentes. Temos clássicos e principalmente não clássicos, que são onde as descobertas funcionam. Busco pequenos produtores do norte ao sul da Itália, assim como da França e de outros países que têm presença na carta. Eu fico feliz quando um cliente chega e não conhece nenhum dos vinhos. Sinal que meu trabalho está sendo bem feito”, enfatiza.
Gabriele Frizon, sommelière, consultora e professora da Associação Brasileira de Sommeliers, reforça esse como um dos principais papéis de uma carta de vinho: trazer opções variadas e diferentes.
“O grande objetivo é ter sugestões que o dono do restaurante e o público não tenham acesso. É preciso estar de olho no mercado, nas tendências, no que as pessoas mundo afora estão experimentando. O brasileiro viaja muito. Então, é olhar para fora e tentar trazer novidades, tendo um pé no chão para analisar e ver se funciona para o negócio”, ressalta.
Frizon destaca também a importância da variedade da carta – não necessariamente só levando em conta o número de países – e principalmente da hospitalidade, fazendo com que o sommelier pense em diversas possibilidades durante seu atendimento.
“Alguns clientes, principalmente mais jovens e no mercado Rio e São Paulo, estão abertos a provar coisas novas. Muitos outros têm a tendência a buscar aquilo que já conhecem. Mas é possível apresentar novidades dentro de um perfil confortável, sem tirá-los da zona. Busco uvas, regiões, denominações de origem que podem ser conhecidas e tragam a sensação de segurança, mas com produtores não tão conhecidos. Vou no perfil do vinho que possa atender este cliente sem tirá-lo do conforto”, completa.
“Vai ter um público que quer beber um determinado tipo de vinho. Mesmo que não combine com o que é oferecido no restaurante, vejo como um problema se negar a atender o gosto do cliente. Então, é sempre bom ter uma seleção boa, cuidadosa e inteligente de opções que atendam todos os estilos”, ressalta.
Para Deco Rossi quanto mais informações o cliente tiver daquilo que é consumido, melhor será sua experiência diante de uma carta de vinhos. Um grande desafio é ter uma carta fácil, deixando o mais informativa possível para o cliente entender o que o está consumindo.
“As sugestões precisam ter o nome do vinho, produtor, safra, uva, região, país. Se for possível ainda incluir uma legenda indicando se ele é leve, médio, encorpado e opções para harmonização. Isso vai dar segurança ao cliente, que se sentirá mais confortável ao escolher algo entre tantas opções, enfatiza Rossi, que completa reforçando a importância de ter sempre presente as principais as categorias: tintos, brancos rosés e espumantes.
Quem nunca abriu uma carta de vinhos e foi direto para os preços que atire a primeira pedra. Eles, que geralmente estão em ordem crescente de valores, despertam dúvidas na hora da escolha, como por exemplo: ‘Será que vou ser julgado se pedir o mais barato? Será que ele é o pior?”.
Uma das dicas preciosas é: procure ajuda do sommelier responsável. O papel dele não é fazer você pagar mais caro por algo, mas sim, achar uma opção que se adeque ao que você procura.
“Com a profissionalização do setor, essa ideia de que o sommelier está lá para fazer você gastar caiu. Ele não quer vender os vinhos mais caros. Ele quer que o cliente fique satisfeito porque escolheu uma boa opção e vai beber feliz. Isso é o que importa para o profissional. É melhor ter um giro maior de uma garrafa mais barata, mas que ele saia satisfeito, do que uma mais cara em que ele vá empurrando até o fim do jantar“, aponta Gabriele.
Para os profissionais ouvidos pela CNN Viagem e Gastronomia, outro ponto essencial na construção de uma carta é uma precificação justa de acordo com o perfil do restaurante. Um dos maiores desafios dos sommeliers é encontrar boas opções em diferentes faixas de preços.
“O cliente muitas vezes escolhe pelo preço porque é a única referência. Chega no lugar só falando que quer um branco ou um tinto e pagar até X reais. É importante que restaurantes ofereçam boas opções de preços de entrada. É de extrema importância também que uma análise neste perfil seja feita: não posso fazer uma carta com preços elevados se o ticket médio do local é baixo. O inverso é verdadeiro: colocar só vinhos mais baratos em restaurantes com gastos mais altos também é outro erro”, ressalta.
Fonte CNN
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