Por ser facilmente confundido com folhas de mato ou musgo, animal só deve ser manuseado por pessoas treinadas a fim de evitar acidentes
Reportagem: Natasha Pinelli
Imagens: André Ricoy (fotos 2, 4 e 5) e José Felipe Batista (fotos 1 e 3)/Comunicação Butantan
A ordem Lepidoptera, constituída pelas borboletas e mariposas, abrange mais de 160 mil espécies em todo o mundo – a estimativa é que até 80 mil delas ocorram no país. Apesar da beleza que adquirem na fase adulta, algumas delas podem ser bastante perigosas para os humanos durante seu estágio larval: entre elas estão as lagartas do gênero Lonomia, únicas capazes de provocar quadros de envenenamento grave em pessoas, podendo até levar à morte. De acordo com o último Boletim Epidemiológico sobre acidentes causados por lagartas peçonhentas no país, 13 espécies desse gênero estão espalhadas por todo o território nacional, mas nem todas têm potencial para causar acidentes graves.
A única terapia disponível para casos de envenenamento é o soro antilonômico, que neutraliza os efeitos desencadeados pelo veneno injetado no contato com o animal. O antiveneno foi desenvolvido em meados da década 1990 de forma pioneira pelo Butantan, e sua produção depende da coleta de exemplares do bicho, uma vez que dentro dos espinhos distribuídos por seu corpo é que está a matéria-prima para a manufatura do produto.
A fim de garantir a disponibilidade do soro – anualmente, cerca de cinco mil ampolas são encaminhadas ao Ministério da Saúde –, o Instituto está sempre atento às oportunidades de coleta. “Pedidos de remoção de Lonomia podem acontecer, mas não com tanta frequência quando comparado a outros animais peçonhentos. Ainda mais por se tratar de um bicho sazonal, que costuma aparecer só nos meses de verão”, observa o tecnologista de produção de Venenos e Antivenenos (VEA) do Butantan, Alexandre Veloso Ribeiro.
Em agosto deste ano, o biólogo não mediu esforços para capturar 15 exemplares de Lonomia em um terreno localizado em Itapecerica da Serra, município na região metropolitana de São Paulo. A coleta aconteceu depois que Maurício Martins Jr., dono do lote, encostou a mão em um grupo de lagartas que se aglomeravam no tronco de uma árvore. Três dias após o incidente e já com sinais graves de envenenamento, Maurício buscou atendimento no Hospital Vital Brazil (HVB) e precisou receber cinco frascos do soro antilonômico para se recuperar do envenenamento.
As Lonomias ficam muito bem camufladas nos galhos e folhas de árvores, confundindo-se com pequenos musgos
À procura das Lonomias perfeitas
A coleta de qualquer animal peçonhento deve ser realizada por pessoas capacitadas. “O manejo incorreto pode colocar o indivíduo em risco e também prejudicar a saúde do espécime. Caso seja necessário, a orientação é acionar o Centro de Zoonoses do município ou, dependendo da espécie e se estiver na cidade de São Paulo, o próprio Instituto Butantan”, recomenda Alexandre Veloso.
Para a remoção de Lonomia, é imprescindível o uso de luvas de borracha e de uma pinça longa, com cerca de 30 centímetros, para manipulação segura das lagartas. Uma vez em campo, é preciso atenção para não se escorar nos troncos e deve-se pisar com bastante cuidado nas áreas próximas às árvores onde os bichos possam estar aglomerados.
No terreno de Itapecerica, por exemplo, os animais não estavam no tronco, como são encontrados de costume, mas escondidos na serrapilheira – camada de folhas secas, galhos e restos de frutas e flores que se acumula na superfície do solo. “Eles fazem isso porque possuem uma pele muito sensível a altas temperaturas. Sob o sol e o calor, podem acabar morrendo de desidratação”, afirma o biólogo.
A lagarta também pode se camuflar no substrato, e geralmente fica próxima da árvore em que estava se alimentando
A Lonomia se camufla muito bem em meio aos galhos e na camada mais superficial de terra. Quem não está familiarizado com o bicho, facilmente o confunde com um musgo. Com um olhar treinado, Alexandre não só identificou rapidamente as lagartas como constatou que estavam no penúltimo estágio larval – são seis fases, no total – devido ao tamanho de suas cápsulas cefálicas.
Também faz parte do protocolo de coleta realizar uma ronda mais ampla na localidade onde um acidente foi relatado, em busca de outros exemplares. “Procuramos por árvores similares às que a Lonomia foi encontrada, além de buscar por marcas de fezes do animal, que geralmente se acumulam na base dos troncos”, explica. Não foram encontradas outras lagartas no terreno, além das 15 achadas pelo especialista do Butantan próximos à árvore onde o paciente atendido no HVB relatou ter se acidentado.
Lonomias: veneno fica concentrando nos espinhos do animal
Crescendo em laboratório
Para que possam ser utilizadas na produção do soro antilonômico, o recomendado é que as lagartas alcancem seu último estágio larval antes de seguirem para o processo de extração de veneno. Dessa forma, elas vão contribuir com uma maior concentração de toxinas, uma vez que é nessa fase do seu ciclo de vida que possuem a maior quantidade de espinhos – estrutura onde corre o veneno – ao longo do corpo.
Alexandre mostra o viveiro preparado para as Lonomias
Em casos como os da coleta em Itapecerica da Serra, a equipe do VEA prepara viveiros especiais para receber os animais. Esse trabalho meticuloso envolve a reposição de galhos e folhas de nêspera, que servem de alimento às lagartas, e o borrifo de água para garantir a umidade do ambiente. Além disso, a cada dois dias é realizada a limpeza completa dos recintos.
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