MP investiga denúncias de violência obstétrica contra 30 gestantes no Hospital de Caridade de Vargem Grande do Sul

MP investiga denúncias de violência obstétrica contra 30 gestantes no Hospital de Caridade de Vargem Grande do Sul

Entre casos estão os de mulheres amarradas, xingadas e impedidas de ter acompanhante no parto, nos últimos 23 anos. Unidade diz que denúncias não procedem, mas apura casos.

A Promotoria de Justiça de Vargem Grande do Sul (SP) instaurou um procedimento para investigar denúncias de, pelo menos, 30 gestantes que dizem ter sofrido violência obstétrica no Hospital de Caridade.

Os casos, entre eles o de mulheres que foram amarradas, xingadas e proibidas de ter acompanhantes, aconteceram entre 1999 e 2022, segundo a jornalista Eduarda Oliveira, responsável por coletar os relatos.

O Ministério Público informou que instaurou, na segunda-feira (5), “a notícia de fato e foi determinada a expedição de ofício ao hospital, ao município e ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp)”. Os órgãos têm até 30 dias para responder.

Denúncias de violência obstétrica

Violência obstétrica é o termo utilizado para caracterizar abusos sofridos por mulheres quando procuram serviços de saúde durante a gestação, na hora do parto, nascimento ou pós-parto.

Os maus-tratos podem incluir violência física ou psicológica, podendo fazer da experiência do parto um momento traumático para a mulher ou o bebê. A violência também está relacionada a procedimentos desnecessários ou não autorizados pela gestante e falhas estruturais de clínicas, hospitais e do sistema de saúde como um todo. (veja abaixo como denunciar)

Depois de entender que também foi vítima de violência obstétrica por ser submetida a uma cesárea sem consentimento, a jornalista e doula resolveu coletar outros casos de mães. No início, ela ainda não sabia o que faria com os depoimentos.

“A ideia era publicar os relatos modificando totalmente o nome da vítima e ocultando o nome dos profissionais, deixando apenas as iniciais dos nomes verdadeiros deles, além de manter em evidência os nomes das instituições onde as violências aconteceram”, contou.

Porém, ao perceber que a massiva maioria dos relatos era de Vargem Grande do Sul, sua cidade natal e também onde realizou o parto de sua filha, resolveu reunir as vítimas e, com a ajuda da advogada Letícia Siquelli, denunciar os casos no Ministério Público.

Entre os relatos dos últimos 23 anos estão mulheres que:

  • foram amarradas;
  • foram xingadas;
  • tiveram a vagina cortada durante o parto;
  • tiveram a presença do acompanhante recusada;
  • foram coagidas a “escolherem” a cesárea;

“Como a cidade é pequena e não existe uma grande variedade de médicos na cidade, acaba que os relatos são sempre mencionando os mesmos médicos. Sendo que não são feitos na presença de um ginecologista obstetra, mas de profissionais de outras áreas como cirurgião geral, médico generalista, otorrinolaringologista, ortopedista e anestesista. O hospital de Caridade de Vargem Grande do Sul tem conhecimento de tudo isso, mas não impede que essas situações aconteçam”, denunciou.

O Cremesp informou que, segundo a Lei 3268/57, todo o médico pode executar qualquer procedimento para o qual se sinta habilitado, porém, caso não seja, responderá por imperícia, de acordo com o Código de Ética Médica.

Casos de violência obstétrica são investigados pelo Ministério Público em Vargem Grande do Sul — Foto: g1

Agora, depois da denúncia feita, a expectativa da jornalista é que o hospital adeque o corpo clínico da maternidade, cumpra as leis e às medidas sanitárias.

“Outro ponto importante é que o hospital se responsabilize pela atualização de todos os profissionais pertencentes ao corpo clínico da maternidade. É dever de todo profissional da saúde manter a atualização constante de procedimentos e protocolos, portanto, o hospital deve proporcionar uma reciclagem de seus profissionais e garantir que todos estejam devidamente capacitados para prestar assistência à gestantes e crianças”, disse.

Relato de clavícula do bebê quebrada no parto

Ao todo, 30 relatos compõem a denúncia feita no Ministério Público. Um deles, é de um bebê que teve a clavícula quebrada durante o parto. Veja abaixo:

A equipe médica não estava a postos quando o bebê de Luiza* começou a nascer. Porém, tudo parecia normal. A família foi pra casa, o bebê estava mamando normalmente, mas, na segunda semana de vida, a criança teve dificuldades para se alimentar.

A mulher procurou ajuda, mas sem sucesso e seu bebê foi perdendo peso. Quinze dias após o parto, Luiza procurou atendimento no Posto de Pronto de Atendimento (PPA). No local, como não haviam agulhas para crianças e o diagnóstico foi de desidratação, o bebê foi transferido para o Hospital da Caridade.

Já no hospital, o médico disse que assim que terminasse o soro, a bebê ia voltar a mamar e que ia receber alta. Porém, uma enfermeira orientou a família a procurar atendimento médico em Ribeirão Preto.

A criança foi para a outra cidade e hospitalizada na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). Na nova unidade hospitalar, após a realização de exames, foi descoberto que a clavícula do bebê havia sido quebrada durante o parto e que ele tinha uma hemorragia grave no cérebro.

O bebê tinha apenas 12 dias, para Luiza os choros e o fato do neném não mamar era apenas cólica, não algo tão grave. Porém, descobriu que conforme a hemorragia aumentava, a criança foi parando de mamar e também tinha a fratura na clavícula, que a fazia sentia dor.

Devido à falta de alimentação, o bebê teve uma desidratação hipernatrêmica, que é quando há falta de sódio e o corpo começa a consumir toda a água que ela tinha no corpo, por isso aconteceu uma perda de peso tão severa. A criança faleceu por morte encefálica.

* A denúncia foi feita de forma anônima, portanto, Luiza é um nome fictício.

O que diz o Hospital da Caridade

“A princípio, sem exceção nenhuma das denúncias procede, no entanto a Direção do Hospital juntamente com a Direção Clínica estão apurando cada uma das denúncias. Inclusive já foram realizadas reuniões sobre o assunto. Este nosocômio tem o maior interesse em apurar detalhamente cada uma das denúncias, mesmo porque pauta por prestar os melhores serviço médico/hospitalar a toda comunidade vargengrandense. Portanto assim que obtivermos algum resultado sobre a existência de eventual irregularidade entraremos em contato com esse órgão de comunicação”.

O que diz o Cremesp

“O Cremesp informa que recebeu ontem (5) ofício do MP de Vargem Grande do Sul sobre o caso em questão. No entanto, no documento, são citados casos específicos de pacientes referentes aos anos de 2020, 2021 e 2022, e não desde 1999. O Conselho instaurará processo apuratório e poderá realizar vistoria no local. As investigações tramitam sob sigilo determinado por Lei”.

Como denunciar a violência obstétrica?

A denúncia pode ser feita no hospital ou serviço de saúde em que a paciente foi atendida. Também na secretaria de saúde responsável pelo estabelecimento (municipal, estadual ou distrital) e nos conselhos de classe — Conselho Regional de Medicina (CRM) para médicos ou Conselho Regional de Enfermagem (COREN) para enfermeiros ou técnicos de enfermagem, por exemplo.

Para atendimento telefônico, ligue para o 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou no 136 (Disque Saúde).

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